28 maio 2008

Finalmente em Português!


«Foi novamente como se a Vida, com todos os seus segredos, estivesse próxima de mim, como se eu a pudesse tocar… E ali sentia-me imensamente segura e protegida. E pensei: "Como isto é estranho. É guerra. Há campos de concentração. Pequenas crueldades amontoam-se por cima de pequenas crueldades. Quando caminho pelas ruas, sei que, em muitas das casas por onde passo, há ali um filho preso, e ali um pai refém, e ali têm de suportar a condenação à morte de um rapaz de dezoito anos." E estas ruas e casas ficam perto da minha própria casa.Sei do grande sofrimento humano que se vai acumulando, sei das perseguições e da opressão… Sei de tudo isso e continuo a enfrentar cada pedaço de realidade que se me impõe. E num momento inesperado, abandonada a mim própria — encontro-me de repente encostada ao peito nu da Vida e os braços dela são muito macios e envolvem-me, e nem sequer consigo descrever o bater do seu coração: tão fiel como se nunca mais findasse…»
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A 9 de Março de 1941, quando Esther (Etty) Hillesum começou a escrever, no primeiro dos oito cadernos de papel quadriculado, o texto que viria a ser o seu Diário, estava-se longe de pensar que começava aí uma das aventuras literárias e espirituais mais significativas do século. Ela tinha vinte sete anos de idade e morreria sem ter feito trinta.

Esther Hillesum nasceu a 25 de Janeiro de 1914, em Middelburg (Holanda). Quando tinha 10 anos de idade, mudou-se com a família (os pais e os dois irmãos, Mischa e Jaap, ambos mais novos que ela) para Deventer. Foi nessa cidade que cresceu e fez parte dos seus estudos, no liceu onde o seu pai era reitor, rumando a Amesterdão aos 18 anos de idade, para estudar Línguas Eslavas. Em Fevereiro de 1941 conheceu o psicoquirologista Julius Spier, com quem iniciou tratamento. Tornaram-se amigos e amantes, apesar dos compromissos que tinham com outras pessoas e da grande diferença de idades — Etty tinha 27, Spier estava na casa dos 50. Spier esteve na origem do interesse que Etty desenvolveu pela psicologia, e também na sua aproximação a Deus (embora de origem judaica, a sua educação foi muito pouco orientada pelos preceitos da religião; o diálogo com Deus tornou-se mais intenso e frequente já na idade adulta). A 9 de Março de 1941 começou a escrever o primeiro de oito diários, onde encontramos as suas reflexões pessoais e sobre a humanidade (exercício influenciado pelas sessões de tratamento com Spier), a sua vida académica (onde sobressaem o interesse pelo estudo da língua russa e a leitura apaixonada da obra de Rainer Maria Rilke), o círculos de amigos e o seu testemunho da segunda Guerra Mundial em território holandês. A 15 de Julho de 1942 começou a trabalhar como dactilógrafa no Conselho Judaico (órgão burocrático criado pelos alemães para comunicar com a comunidade judaica), na secção de «Apoio aos convocados para transporte». Habituada ao trabalho académico intelectualmente estimulante, enfastiava-se no Conselho Judaico, o que a impeliu, a par de outros funcionários do Conselho, a decidir voluntariar-se para prestar apoio no campo de trânsito de Westerbork (na província holandesa de Drenthe), onde muitos judeus trabalhavam e viviam (em barracas), antes de serem levados para os campos de concentração e extermínio. Partiu para esse campo em Agosto, não obstante ter regressado a Amesterdão numerosas vezes (numa delas para acompanhar os últimos dias de vida de Spier, que morreu de doença em Setembro de 1942). A última entrada do seu diário de que há conhecimento data de 13 de Outubro de 1942. Em Setembro de 1943, Etty foi deportada para Auschwitz, vindo a falecer em Novembro desse ano.

Finalmente a tradução em português! A não perder!

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