08 março 2008

Caramel

سكر بنات
de Nadine Labaki, Líbano/França, 2007 95’ cor

Em Beirute, cinco mulheres cruzam-se num salão de beleza, um microcosmos colorido em que várias gerações se encontram e partilham segredos e intimidades. Layale é amante de um homem casado e vive na esperança que ele deixe a mulher um dia. Nisrine é muçulmana e vai casar-se em breve, mas já não é virgem e teme a reacção do futuro marido quando ele descobrir. Rima vive atormentada pela sua atracção por mulheres, especialmente uma cliente do cabeleireiro. Jamale vive obcecada pela idade e pelo físico. E Rosa sacrificou a sua vida pessoal para tratar da irmã.

No salão, os homens, o sexo e a maternidade são os temas de conversa. Conversas íntimas, que gozam de uma liberdade que não têm no mundo exterior.

Biografia e entrevista com a realizadora nos comentários.


Acabei de ver o filme... gostei muito! Esta música é linda! :)

1 comentário:

k. disse...

BIOGRAFIA DA REALIZADORA
Nascida em 1974 no Líbano, faz o bacharelato em Beirute, em 1993.
Diplomada em estudos audiovisuais na universidade de Saint Joseph de
Beirute (IESAV), realiza o seu filme de escola, 11 RUE PASTEUR em 1997,
que obtém o prémio de melhor curta na bienal do cinema árabe do IMA
(Paris) em 1998.
Em seguida filma publicidades e variados clips musicais para cantoras
célebres do médio oriente, pelos quais obtém prémios em 2002 e 2003.
Em 2004, participa na residência do Festival de Cannes para a escrita de
Caramel, a sua primeira longa.

ENTREVISTA COM NADINE LABAKI
Como resumiria o seu filme?
Numa frase, eu diria: “É a história de cinco mulheres libanesas, cinco amigas
de idades diferentes, que trabalham e se cruzam num instituto de beleza em
Beirute”. Se eu desenvolver um bocadinho, acrescentaria: “Neste universo
tipicamente feminino, essas mulheres – que sofrem da hipocrisia de um
sistema tradicional oriental – entreajudam-se nos problemas que encontram
com os homens, o amor, o casamento, o sexo…”. Hoje, nessa parte do
mundo, o Líbano é visto como um exemplo de abertura, de libertação e de
emancipação. Mas não é sempre verdade. Atrás dessa fachada, sofremos
ainda muitas restrições, o receio permanente dos olhares dos outros e do
espectro do seu julgamento. Nesse contexto a mulher libanesa é minada por
remorsos e culpabilidade. No salão de cabeleireiro e de estética, as minhas
heroínas sentem-se em confiança. É um local onde mesmo que sejamos
observados no que temos de mais íntimo, nunca seremos julgados. A mulher
que nos depila vê-nos toda nua, no sentido literal como no figurado, portanto
é um momento onde não se faz batota. Pouco a pouco, contamos-lhe a nossa
vida, os nossos medos, os nossos projectos, as nossas histórias de amor, etc.
Porquê este título, Caramel?
É a pasta depilatória feita à maneira oriental: uma mistura de açúcar, limão e
de água que fervemos até que se torne caramelo. Espalhamos a mistura no
mármore para que arrefeça um pouco. E fazemos dele uma pasta que serve
para depilar. Mas Caramel é também a ideia do açucarado amargo, do agridoce,
do açúcar delicioso que pode queimar ou magoar.(…)
É uma escolha deliberada ou um acaso ter actrizes não profissionais?
Queria mulheres que na vida real, se parecessem com a sua personagem.
Tinha uma ideia muito precisa do seu físico, da sua personalidade, das
palavras que elas deviam empregar e não queria papéis de composição. Foi
preciso procurar nas ruas, nas lojas, em casa dos amigos… Isso demorou,
mas elas colam todas com a realidade dos papéis.
Estas personagens são representativas das mulheres libanesas de hoje?
Sim bastante. Mas eu não quis fazer um trabalho sociológico, longe disso, da
sociedade libanesa. Fiz este filme porque me questiono muito sobre as
mulheres libanesas. Obcecadas pela sua aparência, elas procuram a
identidade entre a imagem da mulher ocidental e a da mulher oriental… A
libanesa tem sempre a impressão de roubar os seus momentos de felicidade.
Ela deve usar artimanhas incessantemente para viver como quer. E quando
consegue, sente-se culpada. Enganamo-nos ao pensar que é livre. Até eu que
sou emancipada e tenho o emprego que quero e como quero, me sinto
condicionada no mais profundo do meu ser pelas tradições, a educação e a
religião. As pequenas libanesas crescem com a palavra “aayib” que,
acompanhada de um gesto de dedo na boca um pouco ameaçador, significa:
“é vergonhoso…”. É vergonhoso isto ou aquilo. Temos sempre medo de
fazer qualquer coisa que não se deve fazer. Com esta ideia do sacrifício para
contentar os seus pais, os seus filhos, o seu marido, a sua família. Em todas as
etapas da vida apresentam-nos um exemplo para seguir, que, claro está, não
corresponde ao que temos vontade de ser. A mulher libanesa, muçulmana ou
cristã, vive uma contradição entre o que ela é, ou que ela tem vontade de ser,
e o que a deixam ser.
No filme, Jamale é obcecada pela cirurgia estética. É o reflexo de um estado
de espírito no país?
Como em todo o lado, penso eu. Mas como somos um país muito
extrovertido é uma verdadeira explosão em Beirute. Começa-se muito novo.
Nariz, boca, lipossucção, sobrancelhas, lifting, seios… Vale tudo. Eu não sou
contra desde que faça bem. Torno-me contra face ao excesso pois a mulher
libanesa criou a sua própria escala de beleza que não se parece com nenhuma
outra no mundo: sobrancelhas muito altas, nariz minúsculo, lábios carnudos,
maçãs salientes etc. Queremo-nos parecer com a mulher ocidental, mas com
os nossos próprios critérios, que não são os mais discretos.
Cozer o hímen antes do casamento é também prática corrente?
Nos muçulmanos como nos cristãos a virgindade é ainda um valor. É,
também aqui, muito representativa da sociedade libanesa. Privilegiar sempre
a aparência com esse receio de não corresponder ao modelo. Isso faz-se às
escondidas mas em clínicas que têm âncora na rua. Os homens não são muito
claros nesta matéria. Consequentemente nunca sabemos o que eles realmente
pensam. Mesmo se pretendem ter ideias abrangentes, face à realidade, como
é que eles vão reagir? Entre a modernidade e a tradição, os homens muitas
vezes estão tão perdidos como as mulheres. Mas, mais uma vez, não se deve
generalizar.
A homossexualidade é ainda um tabu hoje?
Sim certamente. No filme Rima não vive a sua homossexualidade. Limita-se
a sensações durante os shampoos que ela faz à bela desconhecida. E além do
mais, as suas amigas apercebem-se, mas não falam disso. (…)
Quando em 1990 a guerra cessou, você tinha 17 anos. Caramel é o primeiro
filme libanês que não fala disso. Porquê?
Quando fiz o filme apetecia-me escrever a história por vir e não olhar mais
para trás. Faço parte de uma geração que quer contar outra coisa, histórias de
amor por exemplo, mais em relação com os sentimentos que nós conhecemos
e as experiências que nós vivemos com a guerra. Vimos tanta coisa,
analisámos, revimos, desmantelámos os acontecimentos passados que sentia
a necessidade de não voltar a falar disso. Infelizmente, oito dias depois do
final da rodagem, faziam-nos reviver acontecimentos dramáticos.
Depois da guerra do último verão, poderia escrever o mesmo guião hoje?
Quando esta guerra estalou, tinha acabado de terminar a rodagem. Tive
então um sentimento de culpa muito forte: “com o que rima este filme
colorido, que fala de mulheres, de amor e de amizade?”. Para mim o cinema
devia preencher uma missão e ajudar a mudar as coisas. Mas o que é que o
meu filme iria acrescentar ou mudar? Até estive tentada a abandonar tudo.
Finalmente, achei que Caramel é, uma vez mais, uma maneira de sobreviver
à guerra, de a ultrapassar, de a vencer e de se vingar. É a minha revolta
pessoal e o meu envolvimento. Então sim, se escrevesse hoje este filme, faria
o mesmo.