09 maio 2007

Católicos críticos

Mons. Jacques Gaillot
www.partenia.com

Quem são e o que querem os católicos críticos

Sim, falam do preservativo, querem o fim do celibato obrigatório, pedem um papel mais importante para as mulheres. Mas os católicos críticos da instituição dizem que esse não é o centro das suas preocupações. A Rede Europeia Igreja em Movimento esteve reunida em Lisboa e o P2 foi saber quem são e o que pensam estes católicos.


Mais abertura quanto ao preservativo e à moral sexual, fim do celibato obrigatório, ordenação de mulheres, reforma da Igreja? Sim, os católicos críticos falam de tudo isso. Querem tudo isso - e ainda mais. Mas essas não são as suas preocupações centrais, dizem. Com uma "adesão conflitual" à Igreja, estes crentes procuram olhar para o que os envolve, "viver a interpelação de Jesus" e concretizar "a sua humanidade na sociedade".
François Becker, co-secretário da Rede Europeia Igreja em Movimento, que reúne 33 grupos de diferentes países, usa a expressão da "adesão conflitual" para definir a atitude destes católicos. No último fim-de-semana, meia centena de delegados desta rede (Igreja em Liberdade, na designação portuguesa adoptada) estiveram reunidos na sua 17ª conferência anual, vindos de 12 países e 21 organizações diferentes (algumas delas, de âmbito internacional).

São grupos que nascem da contestação a normas ou modos de organização interna da Igreja. Daí que os temas de dentro da instituição apareçam, na opinião pública, como os mais imediatos: respeito pelos direitos humanos no interior da Igreja, moral sexual fundada na autonomia da consciência individual, menos normas disciplinares (como o celibato obrigatório dos padres), um papel mais dignificado para a mulher, liberdade plena de investigação teológica - são alguns dos temas da lista reivindicativa destes grupos. O espelho destes católicos não lhes devolve, no entanto, uma imagem feita apenas dessas exigências. Antes insistem na ideia de que a Igreja e os católicos estão no mundo e que o mundo é o lugar da salvação. "Jesus não pertence às igrejas cristãs, mas a toda a humanidade", afirmava o bispo Jacques Gaillot, demitido da sua diocese pelo Vaticano em 1995, durante uma das suas intervenções no fim-de-semana. Teresa Toldy, teóloga católica portuguesa e professora universitária, também recordava que "Jesus não fazia discriminação de ninguém". Incluindo das mulheres: "É mais ou menos reconhecido que as mulheres estiveram junto de Jesus desde o início, que Jesus tinha tanto discípulos como discípulas, que Maria Madalena teve um papel provavelmente tão importante como Pedro, apesar de, na doutrina oficial da Igreja, se ter dito que ela não era testemunha oficial da ressurreição..." Igreja que exclui
Fazer, então, uma Igreja paralela? Muita gente abandona o catolicismo precisamente por não aceitar que persistam muitos desses aspectos. Mas Teresa Toldy não defende uma "Igreja alternativa" nem um anátema de sinal contrário - esse seria o "reverso da medalha" do autoritarismo. Mesmo se, na situação actual, se proclama que todos os baptizados são Igreja, "há quem tenha o poder de definir que uns são e outros não", refere. O último caso a abalar a consciência destes católicos foi a suspensão do teólogo salvadorenho Jon Sobrino, que foi proibido pelo seu bispo de ensinar em nome da Igreja, depois de notificado pelo Vaticano. Também por isso, saiu da reunião de Lisboa uma carta de apoio ao padre Sobrino, que só por um acaso não morreu com mais seis companheiros jesuítas em San Salvador, vítimas dos esquadrões da morte. "Uma igreja que exclui não é católica; a catolicidade é precisamente a inclusão", comentava Teresa Toldy. Jacques Gaillot alarga a reflexão ao campo que lhe interessa: "O mais difícil é ultrapassar as fronteiras que estão dentro de nós." Recorda o exemplo do Abbé Pierre, o padre que fundou os Companheiros de Emaús e morreu em Janeiro último: "Ele não defendia nunca a instituição, a doutrina, a lei - esses não eram os seus problemas. A sua preocupação era curar as mulheres, curar os homens que precisavam." Em declarações ao P2, o bispo das margens - ele próprio posto à margem por muitos dos seus pares, mesmo que o próprio não se queixe do facto - admite que tudo se centra, hoje, no indivíduo. Essa é a dificuldade do catolicismo. "O indivíduo tem direito à felicidade, à realização de si mesmo. Um avanço do direito - para as mulheres, para as crianças, para as pessoas deficientes, para os homossexuais" é sempre positivo. No centro da preocupação deste bispo - e de muitos destes católicos críticos - está a necessidade de "pôr em acção a justiça, o amor, a bondade ao próximo". Esse é o ensinamento de Jesus, insiste. "Não é a prática religiosa que está em primeiro lugar no evangelho, é a prática da justiça e do amor: o que fizeste pelo estrangeiro, por quem tinha fome?"

08.05.2007, António Marujo - Público P2

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