10 janeiro 2007

Portugal e Índia...5 séculos depois


Nós e a Índia, de Calecut a Nova Deli

Calecut, 1502. Na sua segunda viagem à Índia, Vasco da Gama manda as suas naus bombardearem a cidade, durante dois dias e duas noites. Eram então os canhões portugueses a ditarem as regras do jogo naquela parte do mundo. Nova Deli, 2007. Ao aterrar, esta semana, no Aeroporto Internacional Indira Gandhi, a comitiva presidencial portuguesa, liderada por Cavaco Silva, já não terá canhões à sua disposição. Na competitiva hierarquia da diplomacia e da comunicação social indiana, a visita portuguesa irá, muito provavelmente, ficar abaixo da de um gestor de uma multinacional norte-americana, alemã ou japonesa.

É natural que algo tenha mudado desde Gama e Calecut. É agora uma Índia confiante e segura de si que emerge no sistema internacional. Desde 2004, mais de cinquenta chefes de Estado e líderes de Governo fizeram-lhe visita oficial, oferecendo atractivos acordos de cooperação política, económica, cultural e militar. Bangalore e Bollywood, Tata e Mittal, Agni e Bhagwati, Nooyi e Naipaul são alguns dos nomes que passaram a ser fundamentais no léxico dos que querem compreender e explorar as transformações vividas na Índia, neste chamado "século da Ásia".

Portugal parte com atraso. Enquanto que, em termos de trocas comerciais e investimentos na Índia, o nosso país tem vindo a ocupar os últimos lugares entre os 25 parceiros europeus, o ICEP prima pela ausência naquela que, daqui a menos de trinta anos, deverá ser a terceira maior economia do mundo. No plano político, nunca um primeiro-ministro português visitou a Índia e os ministros que o fizeram contam-se pelos dedos. Quanto à cultura, a falta de financiamento leva a que os postos para leitores do Instituto Camões se mantenham, muitas vezes, vagos, e isto perante milhares de jovens indianos que vêem a nossa língua como uma mais-valia profissional para explorarem os mercados lusófonos. O desinteresse com que temos olhado para um sexto da humanidade também se reflecte no facto de não haver um único correspondente profissional português em toda a Índia - só na capital os espanhóis da EFE têm sete.

É neste contexto sombrio que 2007 se apresenta como uma oportunidade. Ao fazer-se acompanhar por três ministros e dois secretários de Estado, Cavaco Silva dá um sinal claro de que esta visita pretende voltar a colocar a Índia no nosso horizonte estratégico. A sua ida a Bangalore (o chamado Silicon Valley indiano) para falar na abertura do prestigiado fórum económico "Leadership Summit", bem como a presença de dezenas de gestores e empresários lusos na delegação oficial, promete refrescar as desactualizadas imagens mútuas entre os dois países. Uma outra oportunidade para o reavivar do histórico eixo luso-indiano será a visita bilateral que José Sócrates irá fazer a Nova Deli, em Novembro, no contexto da presidência portuguesa da União Europeia e da respectiva cimeira com a Índia.

Para que as oportunidades de 2007 sejam devidamente exploradas é, no entanto, urgente assumirmos o custo da negligência a que temos votado a Índia e sabermos descontar as glórias da história que nos continuam a iludir. Este humilde processo de desilusão passa pelo reconhecimento de que Portugal é hoje recebido como um visitante de segunda categoria pela mesma Índia que, há cinco séculos, conquistou à canhonada.

Constantino Xavier
Investigador na Universidade Jawaharlal Nehru de Nova Deli

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